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sábado, 26 de janeiro de 2013

Os olhares do metrô falam comigo

- Ei, Dread! Esse aqui passa na Glória?
Fiz minha boa ação do dia, mas como não sou branco de olhos azuis e barba feita foi necessário perguntar a mais um para conferir a estação. Pronto, percebi que seria uma longa viagem.
Quando não se tem um livro para ler em uma viagem de trinta minutos, um simples vagão de metrô pode representar muitas coisas.
Eis que a velha loucura senta ao meu lado:
- Saí do trabalho agora. Tenho 58 anos. Sou babá. Vou me aposentar mas não paro de trabalhar! Quer ver a foto do meu neto? Aliás, vou ligar pra ele agora...
O impaciente ao lado faz cara de quem não gostou.
Um olhar reprovador me tange a visão, o respondo diretamente até que fique sem graça e perceber que ele é apenas mais um olhar, como o meu. Pobre senhora.
No fundo do vagão vejo uma cabeça com pesar desolado enquanto entra no vagão um casal que mantém as aparências para criar sua filha juntos. Que menina apática.
Ela me olha com admiração e tenta sentar ao meu lado, mas não tem forças para mover as pernas contra a maré de reprovação de seus pais, quem mantém uma coleira imaginária. Andou pra lá e voltou. Conseguiu romper!
Esse vagão parece ser uma extensão da minha mente onde habitam todas as possibilidades de personalidades que tenho.
Uma ném ao fundo oferece iogurte a outra, ela faz cara de nojo: talvez ela esteja ciente de toda a exploração animal embutida nas poucas miligramas de leite e cochinilha ali presentes e não queira compactuar com esse modelo. Ou simplesmente está enjoada. 
Respondo o menino da frente que masca seu chiclete com um sinal de positivo.
E a velha loucura ataca novamente, cantando com seus dedinhos. Enquanto recolhe a perna cheia de varizes, sinal de anos de sofreguidão e labuta.
A menina apática finalmente senta ao meu lado, agora me tangem olhares de seus pais, enquanto ela diz com seu ato: não respondo mais ao seu modelo de comportamento.
O impaciente se levanta de súbito. Foge do tiroteio.
A velha loucura fez uma amiga: Meu nome é Elizabeth, mas pode me chamar de Beth.
O garoto de minha frente guarda seu chiclete. Ambientalista desde cedo.
Outro menino, inteligente que só, explica algo ao seu pai ao sair do vagão. Beth começa a bater palmas. Esse tem o QI altíssimo!
As néns começam a correr entrando e saindo por diferentes portas do vagão.
A loucura se transforma em reprovação. Essas meninas de hoje... Só Jesus. Amém.
Está chegando minha estação... da próxima vez esquecerei meu livro. Não é a primeira vez que os olhares do metrô falam comigo.

Por Santi.